Dia das mães para quem? Reflexão de Roberta Traspadini, professora da Unila

* Roberta Traspadini

A característica da sociedade em que vivemos é a de transformar tudo em mercadoria: desejos, sonhos, força de trabalho, tempo, cotidianidade. Para o dia, mercadoria, das mães, não é diferente. Propagandeia-se a ideia de mães, mulheres, belas, eternamente jovens em busca cotidiana de produções que freiem o efeito do tempo e do espaço sobre seus corpos-mentes.

Aquilo que o capital destrói – o corpo, os desejos, os sonhos –, ele retoma como possibilidade de venda na reconstrução artificial da aparência. Que contradição, mal-dita! O capital esmaga, esgota, explora e oprime a força de trabalho feminina e depois vende a ideia de melhoria da aparência ocultadora de diversas violências.

As marcas da indústria da “beleza” ocultam a verdadeira fundação do roubo do tempo e da violação da vida e da coisificação do corpo da mulher pelo poder indissociável do capital-patriarcado.

A era da indústria farmo-química se mescla com a da indústria cosmética. E nas propagandas mercantis, ser mãe aparece como uma imagem, fantasia nada real sobre nosso cotidiano histórico de mulheres trabalhadoras. Juntas, as indústrias do espetáculo criam um movimento contínuo de produção da ideia de beleza e do sentir-se mulher e mães, como dever ser.

Na venda fantasiosa da eterna juventude estas indústrias produzem múltiplas drogas: para as rugas; para o sono; para o emagrecimento; para dormir. Ao despertar, drogas para a aparência do cabelo, do corpo, da alma. Legítimas e legais segundo o Estado de direito do capital, essas drogas ditam efeitos devastadores sobre a psiquê social com base no dever ser mulher, mãe, tecida pelo manto da compra e venda.

Ao longo da breve história do século XXI a sociedade do espetáculo consuma um sentido sobre a mulher e o ser mãe, que reforça estereótipos sociais:

– Ser mãe na venda da força de trabalho a preços cada vez mais baixos e, em muitos casos, sem pagamento algum;

– Ser mãe no abrir mão do cotidiano afetivo por conta das múltiplas dívidas a serem pagas em amplas prestações realizadas no teor usurpador dos cartões de créditos;

– Ser mãe na responsabilidade de pagar cada vez mais alto o preço de não poder ser, nem humano, muito menos mãe, mulher, companheira, militante em uma sociedade que rouba tempo, ainda quando o define como livre.

Estes e outros estereótipos vinculados ao dever ser sobre as coisas interagem na nossa relação com o mundo, como mulheres.

O dia das mães representa um momento chave da sociedade do espetáculo centrado na imagem das mercadorias. Mães felizes ganhando perfumes, chocolates, alimentos, cosméticos. Como se o presente fosse o único sentido objetivo de materialização do afeto condicionado pelo dinheiro.

O festejo na forma da compra-venda maquia, fantasia, esconde o real sentido cotidiano do ser mulher em construção, em relação com os demais seres e o meio em que se vive. Os donos das mercadorias criam embalagens cada vez mais difíceis de serem retiradas dado o peso de chumbo cristalizado na ode do consumo e do presente mercantil. Abrem-se as embalagens de presentes, mas não se veem as violências materializadas nos objetos dados como presentes.

Entre o ser mãe e o dever ser sobre as mães!

Na forma-conteúdo dos presentes mercantis, o ser mãe, do dia das mães atual, representa a face mais triste e bárbara da sociedade em que vivemos. Músicas, fotos, imagens revelam um processo que nada tem a ver com a substância mesma do permanente processo de aprendizagem sobre o ser mãe em uma sociedade que trata os seres como coisas, ao mesmo tempo que transforma a coisa em ser.

Entre o ser e o dever ser, nossa transformação cotidiana em mercadorias apropriadas pelos donos privados dos meios de produção e de projeção do prazer, cria angústias e depressões. Afinal, há uma distância enorme entre a felicidade artificial, vendida como possível e a realidade de exclusão concreta na qual como mães trabalhadoras lutamos para sobreviver.

A beleza do ato educativo de construir uma relação de confiança, de troca não mercantil mútua entre mães-filhos-filhas é substituída pela vacina da cura do presente mercantil. Mamãe e celular; mamãe e panelas; mamãe e cobertores; mamãe e indústria da beleza.

Toda essa fantasia tira do foco e foco real: ser com a outra e o outro como essência produtiva do ser mais, próprio