A gravidade do projeto “Escola Sem Partido” – PL 193/16

Danielli Ovsiany Becker

O projeto de lei 193/16, mais conhecido como “Escola sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, foi apresentado ao Congresso Nacional pelo Senador, fundamentalista, Magno Malta (PR/ES). Destaco a palavra fundamentalista por um único motivo: a necessidade da separação do Estado e da religião, pois nunca na história do Brasil tivemos uma bancada legislativa tão conservadora como a que foi eleita no pleito de 2014, o que acarretou um retrocesso sem precedentes nas parcas políticas progressistas, formuladas até então, relacionadas às diversidades.

Antes de discorrer sobre o PL e suas consequências, enfatizo a precariedade da educação pública brasileira, muito aquém de atender as necessidades dos/as trabalhadores/as numa perspectiva de mudança social efetiva. É quase que consenso, mesmo entre as pessoas leigas, que o processo educativo brasileiro é falido e precisa, urgentemente, ser repensado e reformulado, mas não a toque de caixa, como fez o presidente golpista Michel Temer através da MP 743/ 16 que se tornou a lei 13.415/17 – Reforma do Ensino Médio. Por vivermos num sistema capitalista, excludente em sua essência, as mudanças tecnológicas – restritas a uma minoria – estão presentes na quase totalidade das áreas de atuação humana, menos na educação. O que acompanhamos diuturnamente, é a evolução e o aprimoramento da ciência como um todo, no entanto, o que é bastante contraditório, a escola segue ultrapassada e obsoleta! E infelizmente, essa situação é um projeto político muito bem orquestrado para manter a ordem vigente.

Educadores/as mobilizados contra a censura na educação - foto Arquivo APP-Sindicato/Foz
Educadores/as mobilizados contra a censura na educação – foto Arquivo APP-Sindicato/Foz

Em linhas gerais, os governos, mesmo os mais progressistas, não investem de forma satisfatória na educação básica. Porém, ainda mais grave que a escassez financeira é o projeto pedagógico que se tem. Um projeto padronizado e ultrapassado, que não atende às necessidades da diversidade e do pluralismo encontrados no ambiente escolar. E diante do aumento do conservadorismo e da polarização de ideias políticas no último período, este programa se arraigou de tal maneira, que vemos os conflitos cada vez mais exacerbados. Discurso de ódio e pensamento único se tornaram opinião! Pior, quem ousa contestar ou contrapor é taxado dos mais variados adjetivos, quando não obstante sofre violência física e/ou psicológica.

E neste cenário caótico precisamos resistir e combater projetos como o antipedagógico e antidemocrático, Escola Sem Partido. A situação é tão bizarra que já foi apresentada no site do Senado, por uma estudante apoiadora do projeto, uma proposta para revogar o título de patrono da educação brasileira do professor e pedagogo Paulo Freire, considerado um dos maiores pensadores da pedagogia e reconhecido internacionalmente, está entre os 100 autores mais citados em trabalhos acadêmicos no mundo todo. Entretanto, no Brasil Paulo Freire é considerado por muitos um doutrinador comunista, desconsiderando-se toda a sua extensa obra e contribuição com a formação de professores e professoras.

Projeto
“Escola Sem Partido” é um projeto antipedagógico e antidemocrático – foto Reprodução

Podemos até renomear o projeto para Escola De Um Partido, visto que seus apoiadores defendem a promoção de pensamento único: uma única religião, uma única ideologia política, a supremacia de uma etnia em detrimento de outra, a superioridade de um determinado gênero. Precisamos ficar atentos, pois há uma jogada bastante esperta por parte de quem almeja aprovar este projeto, se atrela ao Escola Sem Partido um termo errôneo denominado “ideologia” de gênero. E pasmem, o que se justifica com essa artimanha é que a escola tem tentado instaurar uma “ditadura gayzista”, não, não é ironia. Muitas pessoas têm afirmado que os/as professores/as não devem interferir na sexualidade de seus/as filhos/as, que não devem influenciá-los a se ‘tornarem’ homossexuais. Mais uma vez afirmo, não, não é ironia! Perguntas que ficam: As pessoas realmente acreditam nessa falácia? Alguém considera possível que uma pessoa “torne-se” homossexual, pressionada por alguém? Ou julga que alguém faça uma “opção” por uma identidade de gênero diferente de seu sexo biológico, para sofrer todo tipo de preconceito e violência? Resposta que preocupa: sim, para todas as perguntas. Ou essa insanidade não teria tanto apoio da sociedade. Aqui entra nossa resistência, cabe a nós educadores/as desconstruirmos essa ideia equivocada, realizando debates, lendo, se informando e, principalmente, disseminando conhecimento.

Inicialmente, precisamos entender que o termo ‘ideologia’ está sendo mal empregado nesse contexto. Segundo o dicionário: Ideologia: [Por Extensão] Sociologia. Organização de ideias fundamentadas por um determinado grupo social, caracterizando seus próprios interesses ou responsabilidades institucionais: ideologia cristã; ideologia fundamentalista; ideologia nazista etc. Ou seja, quando se emprega esse termo a intenção é claramente induzir as pessoas a pensarem que a escola tende a impor aos/às alunos/as orientação sexual ou identidade de gênero. Quando na verdade é justamente ao contrário, o que a escola tem feito, mesmo que insuficientemente, é ensinar o respeito à diversidade, o entendimento de que cada pessoa é única e deve ser aceita da forma como é, com sua orientação sexual, seu gênero, sua etnia, sua religião, suas escolhas. No entanto, ninguém é condescendente com o desconhecido, por isso a importância do debate na escola, da interação como a heterogeneidade. As pessoas não podem ser educadas num mundo particular e recluso, pois mesmo a revelia da família, cedo ou tarde a convivência com o diferente será inevitável, assim sendo, que espaço pedagógico mais propício para o aprendizado do que a escola?

Proposta
Projetos de sociedade homogênea sempre terminaram em tragédias e massacres – foto Reprodução

Em hipótese alguma pretende-se interferir nos valores aprendidos em casa com a família, o que se intenta é que haja respeito com o diferente, com o diverso, com objetivo único de se construir uma sociedade que contemple a todos e todas, que se constitua livre de violência e segregação. A história nos mostra que todas as vezes que se pretendeu concatenar uma sociedade estruturada na homogeneidade, quer seja de etnia, religião ou pensamento, o que se obteve foram tragédias e massacres.

O papel da escola vai além da transmissão de conhecimento científico, o que não retira a importância dessa função, ao contrário, amplia-se, pois é nesse ambiente que se efetiva uma das primeiras interações sociais do ser humano. É na escola que o indivíduo se constitui sujeito social, então é irracional pensar que no ambiente escolar não há espaço para discussão de temas que muitas vezes não são abordados em casa, mesmo porque muitas crianças nem família têm.

Os idealizadores do PL Escola Sem Partido afirmam que pensam no bem dos/as alunos/as, querem evitar que sejam doutrinados/as na escola. Este argumento é débil por si só, haja vista o aumento da violência devido a intolerância religiosa, ao racismo, a LGBTfobia, ao machismo, à misoginia, etc… Temos duas opções: Ou os professores são muito incompetentes na sua tarefa de doutrinação ideológica ou derrubamos por terra essa justificativa fajuta.

Há de se destacar, como já afirmado acima, que este projeto político e pedagógico está intrinsicamente ligado à manutenção da desigualdade necessária para salvaguardar o capital. Não é interessante para a elite que a educação seja crítica e emancipadora. Não precisa de muito esforço para entender a contrariedade desse projeto ao pensamento perscrutador. É perfeitamente tangível a ideia de quão fácil é ludibriar uma população desprovida de percepção da realidade, e das intenções escusas presentes nesse programa.

Sabemos o quão difícil tem sido a resistência e o enfrentamento a este projeto de sociedade individualista, exploradora e excludente que nos tem sido imposto. Projeto que necessita da força braçal do/a trabalhador/a, mas o exclui de todo o resto, e o/a precisa manter nas rédeas curtas. Porém, resistiremos e lutaremos, pois nosso projeto de sociedade é outro, é justo e contempla a equidade na diferença.

Não à lei da mordaça! Não nos calarão!

Danielli Ovsiany Becker é professora da rede estadual de educação e secretária de Comunicação da APP-Sindicato/Foz.